sábado, 11 de junho de 2011

'O desenvolvimento nos trouxe a fragmentação do tempo, a anulação da história...

05.02.2010    Africaneando/Oozebap

Achille Mbembe

http://africaneando.org/esp/articles/main/zlq1264336800/

A maioria das agências humanitárias ocidentais têm uma noção simplista do que significa "África" e do que é o "desenvolvimento". Não são conscientes, ou ignoram tudo o que gerou a crítica recente do desenvolvimento, enquanto ideologia e prática, e agem como se essa crítica nunca tivesse sido formulada.

O fato é que no terreno, onde muitos de nós vivem e trabalham, o paradigma do "desenvolvimento" morreu. Isto pode ser constatado a cada dia na prática e nas ações das pessoas comuns. Mas a "máquina desenvolvimentista" continua viva, pagando generosamente a especialistas, intermediários e consultores, gastando copiosas indenizações aos seus clientes locais, seus auxiliares e agentes. A "máquina desenvolvimentista" continua funcionando em vão, o que é ainda mais preocupante já que este vácuo produz esbanjamentos consideráveis.
Além disso, a maioria das agências doadoras ocidentais consideram agora a África como uma zona de emergência, um terreno fértil para as intervenções humanitárias. O futuro não faz parte de sua teoria sobre a África (nas escassas exceções onde esta teoria existe). Para estas agências, a África não é apenas uma terra de empirismo, mas também uma terra enraizada no eterno presente, no acúmulo em série de "instantes" que nunca atingem a densidade e peso do tempo humano, histórico. É um lugar onde o "aqui e agora" é mais importante do que o amanhã, para não falar de um tempo distante no futuro ou da esperança.
Foi isso que nos legou a natureza temporária do 'desenvolvimento': a fragmentação do tempo, a anulação da história, enquanto futuro e nossa prisão mental em um tipo de restrição baseada no imediatismo e no niilismo sem fim. Este impulso caótico e agressivo também é particularmente inquietante.

[...] Detesto a idéia que faz da vida na África um simples desapego: o de um estômago vazio e um corpo nu à espera de ser alimentado, vestido, curado ou alojado. É um conceito arraigado na ideologia e na prática do "desenvolvimento" e que vai totalmente ao encontro da experiência pessoal cotidiana das pessoas com o mundo imaterial do espírito, especialmente quando se manifesta em condições de precariedade extrema e de uma insegurança radical.
Este tipo de violência metafísica e ontológica tem sido durante muito tempo um aspecto fundamental da ficção do desenvolvimento que o Ocidente tenta impor àqueles que colonizou. Devemos nos opor e resistir a formas tão hipócritas e desumanizadas.

[...] Quando eu era diretor executivo do Conselho para o Desenvolvimento da Pesquisa em Ciências Sociais em África (CODESRIA), eu tinha de manter relações com os fornecedores de fundos públicos na França, Japão, Holanda, agências das Nações Unidas e, especialmente, com os países nórdicos. O relacionamento dependia do calibre intelectual e diplomático das pessoas com que fazia contato. As reuniões mais criativas aconteceram com aqueles que acreditavam que o destino da África estava ligado inevitavelmente com o do resto do mundo. Eles concordavam que uma intervenção criativa e eficaz no continente passava por um conhecimento sério, prolongado e detalhado do país, assim como pela análise e espírito crítico. Com interlocutores assim, frequentemente conseguimos programas criativos e inovadores.

Deixando de lado esses casos, o cenário geral era deprimente. Estávamos constantemente a ter de lidar com burocratas cínicos, pessoas que odiavam profundamente a África, mas que se tornaram dependentes, até tirar proveito de seus prazeres perversos. Custava-lhes livrar-se dessa dependência, e interagiam com o continente do mesmo modo que as pessoas presas em uma relação abusiva. Nem eles acreditavam no catecismo do "desenvolvimento" que pregavam. Eu vivi algumas dessas reuniões como uma primeira visita a um manicômio, frente a pessoas que haviam fracassado ou que nunca poderiam fazer uma carreira honrosa fora da África. Não precisavam de pensar, porque para eles a África era simples. Na verdade, se mostravam muito hostls a qualquer coisa que se assemelhasse a uma idéia.

Ainda mais desconcertante era o pressuposto implícito, particularmente nos países do norte, de que os africanos poderiam expressar-se apenas como vítimas. Ao manifestar a sua solidariedade peos conflitos na África, muitos países ocidentais, infelizmente, perpetraram essa sensibilidade vitimista que alguns intelectuais e políticos africanos propagam desde sempre, embora tentando disfarçá-la com uma aparência anti-imperialista.

Por exemplo, têm tolerado a mediocridade e apoiado, no discurso sobre ciências sociais africanas, a predominância fatal do populismo e do radicalismo. Gastaram (acho que eles ainda estão fazendo isso), milhões de dólares por ano para manter enormes organizações administrativas ineficazes, que deveriam ter sido fechadas há muito tempo e nas quais um número incalculável de intermediários se beneficiam da imunidade diplomática e ganham um salário equivalente àqueles que trabalham para as estruturas das Nações Unidas. Esta forma de paternalismo condescendente tem, é claro, raízes muito consistentes no racismo.

Tradução Casa das Áfricas (a partir do espanhol em Oozebap)
Estas reflexões fazem parte de uma entrevista mais extensa realizada a Achille Mbembe por Vivian Paulissen e publicada no Africultures (2 de Dezembro de 2009) sob o título "Art contemporain d'Afrique : négocier les conditions de la reconnaissance”. Disponível em Africultures.

´http://www.casadasafricas.org.br/noticias/01/918
Acesso: 11/06/2011

Postado por Marta Aparecida da Silva Teixeira

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